gemido. prende a respiração. acelera o coração. ofegante. fecha os olhos. treme o quadril. gemido. abafa. solta respiração. abre os olhos. sorri.
essa é uma mulher gozando.
ou fingindo.
você, homem, não saberá. não tem como. lide com isso. e esse ‘lide com isso’ não é uma brincadeira. lide mesmo. abra a escuta. você não saberá se a mulher com você gozou ou não, mas pode saber se ela goza ou não. gozar é imenso e contínuo e cotidiano. possível fingir orgasmo. impossível fingir gozo. um olhar atento, generoso e deslocado do próprio centro verá no dia a dia, se há desejo e gozo na mulher companheira. mas…não vou escrever para vocês hoje dando mais dicas ou algo assim. embora acredite que seria bastante justo que lessem páginas e páginas de ‘como deixar sua mulher louca na cama’ ou ‘teste para ver se ela gosta de você’ ou ‘elas preferem homens que…’. e que lessem isso aos 11, 12, 13 anos. sim. estou falando das revistas que começaram a sumir nos anos 2000, mas ainda estão aí povoando imaginários femininos de forma desvatadora. mas…não vou escrever para vocês hoje.
quero discutir hoje o fingir orgasmo como termo capenga e banalizado. para nós, mulheres, escrevo: finjam orgasmo.
ESPANTO! ELA ENLOUQUECEU!
Calma. Vamos deslocar o centro da conversa. Assumimos, de forma leviana, que fingir orgasmo é fingir para o cara ou a mina, enfim, para quem está ali na cama na chuva na fazenda ou numa casinha de sapê. O outro! Esse ser reizinho que dita as leis sem nunca dizer nada. O outro imaginado por nós é o carrasco ideal: cruel e inocente; infalível e absolvido. Fingir orgasmo para o outro é fingir gozo para não ferir o fantasma. Fantasma do outro? Não. O meu. O meu fantasma ideal. A minha ilusão de que, perfeita, faço gozar e gozo. E pareceria uma capa de revista caso alguém fotografasse o meu corpo em êxtase. E alguém fotografa. Você já parou pra perceber quantas vezes se olha de fora? Como se carregasse uma máquina fotográfica como quem leva um balão de gás hélio no parque? Os olhos fora. Arrancados. Desprovida de olhos, carrego espelhos. É para o espelho o fingir. Esse outro-espelho; carrasco-eu disfarçado de parceiro. Para esse, não finja orgasmo.
Pausa.
Desloque-se: de objeto para sujeito. Estoure o balão, quebre o espelho e aterisse no pouso-pele. Para você e seu corpo, finja orgasmo. Pois fingir qualquer coisa é ensaiar o corpo para realizar. Fingir é o brincar. Fingir que fala é começar a falar. Fingir que anda é cair pra aprender. É o corpo encontrando as respostas sem ter as certezas. Experimentando sem ter resolvido a equação. Fingir orgasmo para si, é colocar-se a disposição com um corpo atuante e lúdico, brincando de gozar. Finja! Ensaie! Percorra o corpo antes da mente. Dance a mentira freneticamente. Finja para você. Veja nascer da mentira uma faísca. Incendeie.
Escrevo esse texto aflita com os decretos inúteis. Não finja orgasmo. Pronto. Resolvido. Estamos gozando? Não. Então nada está resolvido. Ah, a palavra vazia é um prato cheio para a paralisia! Não fingir pode ser um caminho mais longo do que fingir. Não fingir pode ser um NÃO neon sem nada para colocar no lugar. Sem nada, o corpo mulher inerte, desaprendido da dança, sem nem saber-se desejante (ocupado demais em ser desejado) agora presta conta aos carrascos e aos libertadores. Ambos, palavras vazias, decretos e espelhos. Obedecer às leis da liberdade sem permitir-se perguntar, é migrar de gaiola. Não acenda semáforos só porque são coloridos. Ensaie sem palavras o corpo. Risque o chão com os pés. Construa os seus sinais de pare e siga. Finja o gozo com os espelhos quebrados. Deixe o corpo ensaiar. Pode ser sozinha.
(…esse texto nasceu do famoso trecho do poema “Autopsicografia” do meu poeta favorito de todos os tempos, Fernando Pessoa, onde ele diz que ‘o poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente’)
(a imagem é uma das quase 70 poesias visuais que estão no meu livro Sede de me beber inteira)
InDica
#para ler
Tudo pode ser roubado, Giovanna Madalosso, Todavia.
Contemporâneo, dinâmico, atual e divertido (adoro leituras divertidas e não tem nada a ver com engraçado). Viciante.
Vista Chinesa, Tatiana Salem Levy, Todavia.
Pesado (não indico para vítimas de violência sexual que ainda não se sintam preparadas para lidar com a situação), viciante, narrativa não linear com deslocamentos de tempo/espaço/perspectiva. Escrita intensa.
Obra Poética deFernando Pessoa, Nova Fronteira.
Quase mil páginas do gênio para ler gratuitamente via kindle unlimited. O preço do físico também não achei nada mal.