quando penso na barriga e nos pés inchados, penso que poderia, finalmente descansar. entenderíamos, todos e eu, que estou cuidando da outra que mora agora em mim. eu poderia sentar e fechar os olhos sem a culpa de ser improdutiva e não estar agora mesmo arranjando maneiras de ser um sucesso.
não sei cuidar de mim. eu preciso que me cuidem. eu sei cuidar de você. então, se você morar em mim, eu me cuido.
eu percebi isso num dia em que estava acariciando a minha barriga sem bebê.
percebi que estava em busca dos olhos da compaixão de alguém que diria descanse descanse descanse. ou que dissesse: durma que o mundo sabe girar sozinho e você não precisa garantir nem o sol nem o pulmão. durma.
eu estava doente. doença que não dava pra ver e que não gerava olhos de compaixão. comecei a ver olhos de descaso. os meus olhos dentro sempre foram olhos de criança. não se deixa uma criança sem colo. cresci e criei essa carcaça frágil e cheia de cortes. mas sabia que lá dentro tem uma criança na primeira aula de ballet sem conseguir acompanhar os passos? tem sim. uma criança que tem as sapatilhas apertadas e que desde muito pequena sempre quis ser a outra pessoa para a qual a vida parecia mais fácil de ser vivida dentro.
a minha vida fora é ótima. sempre foi (quase sempre). mas eu tenho uma melancolia insuportável e cheia de pontas. ela sabe nascer braços e tentáculos novos a cada vez que eu rompo um nervo e paro de sentir.
eu estava doente e queria ficar grávida para aprender a cuidar de mim. para que alguém me desse a mão porque eu estava realmente caindo. para que alguém me servisse um chá quando minha garganta começasse a fechar de medo. alguém que não me perguntasse mas o que é que você tem e viesse cuidar de mim sem desdizer a minha dor ou a minha solidão. sem tentar me convencer de que eu sou inteligente demais para ficar triste.
não engravidei. continuei doente.
num dia tive uma conjuntivite.
fiquei sem conseguir abrir o olho por um dia inteiro.
deitada, consegui chorar.
quando consegui chorar, consegui falar.
eu sou uma pessoa simpática e bem humorada: meus muros pontiagudos com letras imensas dizendo NÃO ENTRE.
não estava nem simpática nem bem humorada naquele dia. deixei a bailarina falar por mim.
a você eu disse: não consigo.
a outra pessoa que amo eu disse: não consigo.
a mais uma: não consigo.
a verdade é que ninguém me ajudou nesse momento.
me indicaram um caminho achando que eu tinha pernas para caminhar até lá.
não tinha.
arrastada deu certo e eu cheguei.
isso foi depois dos meus olhos gritarem comigo.
vermelhos e lacrimejantes
a bailarina deve ter perdido o tempo
e veio bater na porta da pupila
encontrou uma mulher sem dança
seu grito explodiu o branco em rios minúsculos e vermelhos
estou grávida da bailarina.
ela nasce quando choro sem esconderijo.
***
Esse é um texto inédito. Parte de um livro que ainda é sonho. Quero tirar todos os sonhos da gaveta. Então, mostrei para vocês. Se gostaram, me contem, por favor.
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